quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

O SEMEADOR E O SERMÃO DA SEXAGÉSIMA

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
 CCHS - CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE LETRAS: ESPANHOL
DISCIPLINA: LITERATRA PORTUGUESA I
PROFESSORA: ROSANA C. ZANELATTO SANTOS

O SEMEADOR E O SERMÃO DA SEXAGÉSIMA, UMA QUESTÃO DE INTERDISCIPLINARIDADE E INTERTEXTUALIDADE.

Alberto Chissingui Sara Silva[1]

A construção da credibilidade não se alicerça somente na retórica, mas na construção de discursos sobrepostos que se integram e formam um todo para o leitor na interação entre orador, auditório e o texto base[2].

A presente resenha tem por objetivo explicar a partir das categorias de Aristóteles a organização do Sermão da Sexagésima, pregado por Padre Antônio Vieira, em relação à parábola do semeador encontrada no livro do novo testamento da Bíblia sagrada em Lucas capítulo 8, para poder então responder como ocorre a interligação entre a parábola do semeador e o discurso religioso considerando esse discurso religioso um texto construído com base na Hermenêutica e ao contexto em que estava inserido.
Partindo no discurso de Brandão (2004) que diz que “o discurso é o espaço em que saber e poder se unem, se articulam,” podemos aqui salientar os dois textos em estudo têm entre si uma ligação á questão da religiosidade.
Antes de começar com a análise das duas obras em estudo, é importante primeiramente situar ao leitor quem foi Padre Antônio Vieira. Pois, nasceu em Lisboa em 1608 e aos sete anos de idade veio para o Brasil, mais especificamente para a Bahia e em 1623 integrava a Companhia de Jesus. Vieira foi um dos maiores oradores tanto na religião quanto na política no período Barroco. Uma das principais características de Vieira era o caráter de ser ou deixar bem claro os discursos que ele pregava. E dirigia suas criticas ao culto às palavras que alguns pregadores mostravam sem se preocupar com o entendimento do ouvinte. E também como que se a palavra fosse vazia de significado para o interlocutor por não se preocupar com o entendimento, mas simplesmente com o preciosismo da palavra bonita. No sermão da Sexagésima que corresponde ao segundo domingo antes do primeiro da quaresma, ou 60 (sessenta) dias antes da Páscoa, o autor demonstrou sua preocupação com a clareza propondo-se a analisar de quem era a culpa de a Palavra de Deus não frutificar tendo como base a Parábola de Lucas capítulo 8.
Não obstante, percebemos que a parábola enquanto narrativa curta centra o seu interesse na verdade a ser transmitida e não somente em seu processo de construção desconexo da intenção de retratar o mundo como também é o caso de discursos de Vieira.
Sendo o texto de Padre Vieira muito extenso, apenas mostrarei alguns recortes das partes que considero que fazem relação com a Parábola do Semeador. Mas antes, segundo algumas pesquisas de auxilio no doutor google, pôde perceber que as formas das Parábolas de Jesus (KISTEMAKER, 1992), são como parábolas autênticas as que usam como ilustração um fato comum do cotidiano, e são facilmente compreendidas. Categoria que se enquadra a parábola do semeador que encontramos em Mateus 13.1-9, Marcos 4 de 1-9 e Lucas 8.4-8.
Em Mateus 13:1-9;
1 Tendo Jesus saído de casa, naquele dia, estava assentado junto ao mar; 2 E ajuntou-se muita gente ao pé dele, de sorte que, entrando num barco, se assentou; e toda a multidão estava em pé na praia. 3 E falou-lhe de muitas coisas por parábolas, dizendo: Eis que o semeador saiu a semear. 4 E, quando semeava, uma parte da semente caiu ao pé do caminho, e vieram as aves, e comeram-na; 5 E outra parte caiu em pedregais, onde não havia terra bastante, e logo nasceu, porque não tinha terra funda; 6 Mas, vindo o sol, queimou-se, e secou-se, porque não tinha raiz. 7 E outra caiu entre espinhos, e os espinhos cresceram e sufocaram-na. 8 E outra caiu em boa terra, e deu fruto: um a cem, outro a sessenta e outro a trinta. 9 Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.
Marcos 4 : 1-9;
1 E outra vez começou a ensinar junto do mar, e ajuntou-se a ele grande multidão, de sorte que ele entrou e assentou-se num barco, sobre o mar; e toda a multidão estava em terra junto do mar. 2 E ensinava-lhes muitas coisas por parábolas, e lhes dizia na sua doutrina: 3 Ouvi: Eis que saiu o semeador a semear. 4 E aconteceu que semeando ele, uma parte da semente caiu junto do caminho, e vieram as aves do céu, e a comeram; 5 E outra caiu sobre pedregais, onde não havia muita terra, e nasceu logo, porque não tinha terra profunda; 6 Mas, saindo o sol, queimou-se; e, porque não tinha raiz, secou-se. 7 E outra caiu entre espinhos e, crescendo os espinhos, a sufocaram e não deu fruto. 8 E outra caiu em boa terra e deu fruto, que vingou e cresceu; e um produziu trinta, outro sessenta, e outro cem. 9 E disse-lhes: Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.

Lucas 8 : 4-8;
4 E, ajuntando-se uma grande multidão, e vindo de todas as cidades ter com ele, disse por parábola: 5 Um semeador saiu a semear a sua semente e, quando semeava, caiu alguma junto do caminho, e foi pisada, e as aves do céu a comeram; 6 E outra caiu sobre pedra e, nascida, secou-se, pois que não tinha umidade; 7 E outra caiu entre espinhos e crescendo com ela os espinhos, a sufocaram; 8 E outra caiu em boa terra, e, nascida, produziu fruto, a cento por um. Dizendo ele estas coisas, clamava: Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.
Nos evangelhos acima citados, podemos perceber a mudança no foco de acordo com o propósito de cada livro. Enquanto em Mateus observamos uma preocupação em mostrar a inesperada colheita realizada no reino de Deus; Em Marcos enfatiza-se o ministério e em Lucas encontramos uma versão abreviada colocada em um contexto aprovação ou reprovação e, nesses focos das parábolas, observamos um discurso dentro do discurso, uma vez que cada evangelista utiliza a parábola do narrador de acordo com a intencionalidade e direcionamento de seu evangelho.
Começarei metodologicamente apresentar alguns recortes tirados no texto da sexagésima que fazem a intertextualidade com a parábola de Lucas 8.
“Nunca na Igreja de Deus houve tantas pregações, nem tantos pregadores como hoje. Pois se tanto se semeia a palavra de Deus, como é tão pouco o fruto? Não há um homem que em um sermão entre em si e se resolva, não há um moço que se arrependa, não há um velho que se desengane. Que é isto? Assim como Deus não é hoje menos omnipotente, assim a sua palavra não é hoje menos poderosa do que dantes era. Pois se a palavra de Deus é tão poderosa; se a palavra de Deus tem hoje tantos pregadores, porque não vemos hoje nenhum fruto da palavra de Deus? Esta, tão grande e tão importante dúvida, será a matéria do sermão. Quero começar pregando-me a mim. A mim será, e também a vós; a mim, para aprender a pregar; a vós, que aprendais a ouvir”
O recorte acima escrito foi retirado na primeira e segunda parte do sermão Vieira onde o autor tem por objetivo fazer a introdução de seu sermão com base na parábola do semeador encontrado em Lucas 8 para procurar criar uma relação entre a parábola e o momento do seu discurso na capela mostrando o tema da mensagem em diálogo com aquele momento em que estava inserido. O tema no discurso é a palavra de Deus e querendo convencer seu público sobre a força das suas palavras.
Fazer pouco fruto a palavra de Deus no Mundo, pode proceder de um de três princípios: ou da parte do pregador, ou da parte do ouvinte, ou da parte de Deus. Para uma alma se converter por meio de um sermão, há-de haver três concursos: há-de concorrer o pregador com a doutrina, persuadindo; há-de concorrer o ouvinte com o entendimento, percebendo; há-de concorrer Deus com a graça, alumiando. [...]
suposto que o fruto e efeitos da palavra de Deus, não fica, nem por parte de Deus, nem por parte dos ouvintes, segue-se por consequência clara, que fica por parte do pregador. E assim é. Sabeis, cristãos, porque não faz fruto a palavra de Deus? – Por culpa dos pregadores. Sabeis, pregadores, porque não faz fruto a palavra de Deus?
– Por culpa nossa.
Aqui é bem visível que no discurso do Padre começa com a sua argumentação demonstrando um discurso retórico que tem por objetivo fazer com que o ouvinte se posicione diante de algumas proposições que se ratificam sem base ao se referir aos três agentes presentes na pregação, Deus o ouvinte e o pregador. Desses três apenas um é responsável pelo sucesso na pregação, o pregador. E apresenta como argumento irrefutável que a responsabilidade pela palavra não frutificar não pode recair sobre o ouvinte porque a Palavra de Deus tem o poder de convencer qualquer tipo de ouvinte, não pode recair sobre Deus uma vez que Ele é quem ilumina, fazendo assim com que a culpa recaia sobre o pregador.
O pregador há-de saber pregar – com fama e sem fama. Mais diz o Apóstolo: Há- de pregar com fama e com infâmia. Pregar o pregador para ser afamado, isso é mundo: mas infamado, e pregar o que convém, ainda que seja com descrédito de sua fama, isso é ser pregador de Jesus Cristo. Pois o gostarem ou não gostarem os ouvintes! Oh que advertência tão digna! Que médico há que repare no gosto do enfermo, quando trata de lhe dar saúde? Sarem e não gostem; salvem-se e amargue-lhes, que para isso somos médicos das almas.
Para finalizar com as minhas sucintas análises, o ultimo recorte do sermão o autor traz um discurso analítico que seria a comprovação dos argumentos expostos como corretos que vimos nos argumentos anteriores que tratam de verdades específicas e que se mostram como incontestáveis para um público determinado. Vieira afirma que um dos maiores problemas centra-se na preocupação que os pregadores têm de descrédito dos seus fiéis e por isso não pregam a verdade que se apresenta na Bíblia. Vieira se posiciona afirmando que o bom sermão não é aquele que faz com que os ouvintes se sintam bem, mas os que fazem com que se sintam mal e o levem a refletir sobre a vida que levam.
Muita coisa que poderia ser dito nessa intertextualidade entre o sermão e a parábola, porém, espero que tenha percebido mais ou menos a finalidade do texto com o leitor.
Referências Bibliográficas
Bíblia da Família. Barueri. Nova Tradução na linguagem de Hoje. SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2006.
BRANDÃO, Helena Hatshsue Nagamine. Introdução à Análise do Discurso. 2 ed. rev. São Paulo: editora da Unicamp, 2004.
CARVALHO, Olavo. Aristóteles em Nova Perspectiva: Introdução à Teoria dos Quatro Discursos. São Paulo: Copyright, 2006.
KISTEMAKER, Simon. As Parábolas de Jesus. Trad. Eunice Pereira de Souza. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002.
VIEIRA, Antonio S. J. Sermões. Erechim: Edelbra, 1998.








[1] Acadêmico do 8º semestre do curso de letras em habilitações Português e Espanhol.
[2]  Roberto Clemente dos Santos (UPM).

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